quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ditadura


   Na verdade, a ditadura estava afundando. Para começar, a crise econômica: inflação, diminuição do crescimento econômico, aumento da pobreza. Foi só Geisel abrandar a censura para que os escândalos de corrupção no governo começassem a pipocar. Tudo isso tirava a confiança da população no governo. Bastava ter eleição e pimba, o MDB ganhava mais votos do que a Arena. No começo do regime, castrado pelas cassações, o MDB era uma presença tímida. Praticamente só havia Arena no Brasil, Aos poucos, entretanto, o MDB foi ampliando sua capacidade de fustigar a ditadura, Nele havia desde liberais até comunistas, todos unidos com um propósito básico: acabar com o regime militar, restaurar a democracia no Brasil.

   Portanto, ao contrário do que disse a propaganda oficial, a tal abertura política não foi resultado simplesmente da boa vontade do governo. Foi o recuo de um regime acossado pela crise e atacado por um povo que se organizava.
   Em nenhum momento do regime a oposição democrática se calou. Todavia, a partir de 1975, essa oposição atuava de outro jeito. Não eram mais estudantes jogando pedras para enfrentar a polícia, como nas memoráveis passeatas de 1968, nem eram meia dúzia de guerrilheiros cutucando a onça blindada com vara curta. Agora, a luta contra o regime ainda tinha o mesmo ardor, o mesmo idealismo, só que com maturidade, com substância. O segredo era a mobilização da sociedade civil.

Sociedade civil não é o contrário de sociedade militar. A sociedade civil se opõe ao Estado. Quem faz parte do Estado? Os políticos, os juízes e tribunais, a administração pública, a polícia, o Exército etc. As instituições da sociedade civil são organizações como sindicatos, associações de moradores, grupos feministas, igrejas, comitês de defesa de direitos humanos, sociedades ecológicas e culturais etc.
   Para começar, a Igreja Católica passava por um processo de grandes mudanças. Em 1964, ela jogou água benta nos tanques. Agora, crescia a consciência de que ser cristão era ser também contra o pecado da opressão social, contra o pecado de nada fazer diante da injustiça social; ser solidário com os pobres; lutar por um mundo mais justo. Não tinha mais essa de que "Deus quis que os pobres fossem submissos". Era a Teologia da Libertação. A visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, foi interpretada como uma força para esse tipo de atitude de engajamento social dos católicos. Enquanto apoiou o regime, a Igreja foi elogiada. Bastou que uma parte dela (o chamado clero progressista) se voltasse contra as barbaridades do nosso capitalismo selvagem, para que logo a acusassem de "fazer politicagem". Grandes figuras, como D. Hélder Câmara, D. Evaristo Arns e D. Pedro Casaldáliga, frei Betto e frei Leonardo Boff, defenderam os direitos humanos, denunciaram as injustiças sociais, exigiram que o governo mudasse suas atitudes. Organizada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a população católica ia se conscientizando. Descobria-se que o Evangelho não era uma mensagem para manter escravos, mas justamente o contrário, uma boa-nova de libertação, de libertação de toda a opressão, incluindo a opressão social. O homem deve ganhar o pão com o suor do seu rosto e, portanto, para que todos os que produzem o pão possam ter um pedaço justo desse pão, é preciso suar o rosto para transformar a sociedade no sentido da justiça cristã. E a justiça cristã não é apenas a da caridade, mas a do respeito aos direitos de todos. Não estamos fazendo propaganda da Teologia da Libertação, mas exprimindo algumas de suas idéias. Essa novidade seria importantíssima para compreender o Brasil contemporâneo: nos anos 80, diversos movimentos de operários e camponeses ergueram sua voz para exigir direitos. Um estudo de suas origens revelará que muitos deles nasceram das CPT (Comissões Pastorais da Terra) e das CEBs católicas.

   O próprio movimento estudantil universitário renascia. Nas principais universidades do Brasil, o pessoal reorganizava as entidades representativas (Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes). Esta geração do final dos anos 70 e começo dos 80 mostraria que a política ainda corria no sangue dos estudantes. Mas as coisas não eram fáceis. As faculdades ainda estavam cheias de agentes secretos do SNI infiltrados. E a tentativa de refazer a UNE, através de um encontro de estudantes na PUC-SP em 1977, foi desfeita com brutalidade pela polícia, que bateu tanto que uma menina ficou cega. Mesmo assim, em 1979, num Congresso emocionante na bela Salvador, a UNE estava recriada.
Entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - esta sob a liderança do dr. Raymundo Faoro - e intelectuais de prestígio se manifestavam contra o regime. A imprensa alternativa, representada pelos jornais O Pasquim, Movimento e Opinião, não descansava. A censura tinha sido abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já havia um espaço para falar de coisas novas na política. Cada número novo de um desses jornais era lido com voracidade.

   Em 1975, foi criado o MFA (Movimento Feminino pela Anistia), para que os presos políticos fossem soltos, os exilados pudessem voltar à pátria e os cassados recebessem justiça. Em 1978, foi criado o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia). 0 Brasil inteiro repudiava a tortura e a arbitrariedade. A saudosa Elis Regina emocionaria o país cantando o hino da anistia; O Bêbado e o Equilibrista. Outros cantores populares, como Chico Buarque e Milton Nascimento, compunham músicas com críticas sutis ao regime militar.

Como você vê, a oposição estava articulada: jornalistas, MDB, estudantes, Igreja Católica, intelectuais, movimento pela anistia. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim.

A extrema direita respondeu com fogo. D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro), foi seqüestrado e espancado. Bombas explodiram na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), e na Editora Civilização Brasileira. No mesmo ano (1976), o DOI-CODI invadiu a tal casa na Lapa e massacrou os ocupantes, todos da direção do PC do B, como já foi dito. Assim, as forças retrógradas deixavam claro que não aceitariam qualquer avanço democrático.

A situação ficou tensa. As forças democráticas avançavam, mas a direita replicava: 0 governo, irritado, se confundia, reprimia, vacilava. Era o impasse. Para onde iria o Brasil? A extrema direita teria mesmo o poder de barrar o povo? Quem decidiria o nosso futuro?

Os dias de medo pareciam eternos. Apesar de toda a articulação da sociedade, o regime autoritário dava a impressão de ser capaz de resistir por muito tempo. Seria uma muralha indestrutível? A violência talvez não terminasse nunca. Quem teria a capacidade de mudar a correlação de forças? Quem seria capaz de abalar decisivamente o regime? Haveria algum movimento social capaz de provocar a virada decisiva? As pessoas se entreolhavam angustiadas; e agora?

Nasce o Partido dos Trabalhadores

Saab-Scania, multinacional sueca de salários brasileiros localizada em São Bernardo do Campo (São Paulo). São 7 horas da manhã. 13 de maio de 1978, sexta-feira. Os diretores e executivos observam e não acreditam no que vêem: os operários estão ali, bateram cartão de ponto, mas nada funciona. Braços cruzados, máquinas paradas. E sem o peão, nada existe. A greve. Apesar da rígida proibição da ditadura, os trabalhadores pararam. E dali se espalharam e paralisaram o cinturão industrial do ABC Paulista.

Foi uma loucura. Todo mundo ficou perplexo. Desde o governo até a esquerda tradicional, incapazes de aceitar que a classe trabalhadora pudesse, por conta própria, resolver seus problemas.

Na liderança, uma nova cabeça no país, que não estava ligada a nenhum partido, a nenhum grupelho de esquerda: Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Filho de miseráveis camponeses nordestinos que emigraram para São Paulo, Lula trabalhava desde criança. Bom operário, torneiro-mecânico, perdeu o dedo num acidente de trabalho tão comum no Brasil. Na adolescência, não ligava muito para política nem para sindicato. Queria mesmo era jogar bola e namorar. Amadureceu, começou a tomar consciência das coisas e entrou para o sindicato, até ser eleito presidente. Assim, iria se tornar o mais influente líder sindical operário de toda a história do Brasil.

Depois do susto da greve de 1978, o governo respondeu. Na greve de 1979, o presidente já era Figueiredo. O sindicato de São Bernardo sofreu intervenção. A polícia federal ocupou a sede. E quem precisava do prédio? Nas assembléias, compareciam dezenas de milhares de metalúrgicos.

O Brasil inteiro explodiu em greves. Todo mundo queria de volta o que a inflação tinha levado para os patrões. Categorias que antes de 1964 jamais teriam organizado um movimento (afinal, eram de "classe média"), como professores, médicos e engenheiros, descobriram a necessidade de também participar do sindicalismo combativo.

A ditadura reprimia sem dó. O operário Santo Dias, ativista sindical, foi assassinado pela PM na rua. Era preciso deixar claro que novas rebeldias não seriam toleradas. A fábrica da Fiat (Minas Gerais) foi invadida pela PM com cães amestrados. Os trabalhadores deviam se calar!

Pois não se intimidaram. Contra os abusos dos patrões, novas greves no ABC, em 1980. A ditadura mostrava, mais uma vez, que estava sempre do lado da burguesia.

Uma operação de guerra foi montada. Guerra contra trabalhadores desarmados. O comandante do II Exército planejou as ações bélicas. Mobilizaram-se homens, armas, recursos. A polícia federal chefiada pelo dr. Romeu Tuma, o DOPS e o DOI-CODI prenderam Lula e mais 15 dirigentes sindicais. Ficaram incomunicáveis.

Esperavam que, prendendo a liderança, acabariam as greves. Engano. Esse era um novo sindicalismo. Organizado pela base, sem chefes supremos a decidir tudo. Cada peão era um responsável. A hidra de 250 mil cabeças.

A greve continuava. Proibida pelo governo, decretada ilegal pelo Tribunal do Trabalho. Mais prisões de políticos, advogados e sindicalistas. A televisão só entrevistava ministro, patrão, policial e pelego, para dar a impressão de que o Brasil era contra. Mas o povo colhia donativos nas ruas para ajudar as famílias dos operários. Provocadores da polícia destruíram lojas, para criar a fama de que greve é baderna. Jornalistas os fotografaram e desmascararam a armação.

O Exército deu, então, o ultimato. As ruas de São Bernardo do Campo foram ocupadas por blindados, soldados de fuzis automáticos, ninhos de metralhadoras. Helicópteros equipados com bombas patrulhavam a cidade. Estava terminantemente proibido fazer assembléia operária.

Pois uma multidão de 120 mil pessoas desafiou o poder. Cabeças erguidas, fona da verdade no coração. Massacrá-los seria dar início a uma guerra civil.

No dia seguinte, não havia mais soldados em São Bernardo. A luta da classe operária havia derrotado a ditadura.

 General João Batista Figueiredo ( 1979 - 1985 )

O general João Batista Figueiredo foi o nosso presidente eqüestre. Ex-chefe do SNI, declarou que "preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo" . Infelizmente, no Brasil o povo podia escolher o desodorante, mas não o presidente.

O regime deveria ser condecorado com uma ferradura. A inflação veio ã galope, dando coices nos salários. O ministro Delfim Netto, o "gordinho sinistro" achava que "primeiro o bolo deveria crescer, para depois ser dividido". Pois aí está a grande empulhação da ditadura: o Brasil teve um grande crescimento econômico e sua renda per capita ficou bem maior. Mas o bolo foi comido pelos ricos.

Segundo o IBGE, em 1980 aos 5% mais ricos cabiam 37,9% do total da renda do país, e aos 50% mais pobres sobravam 12,6%. Portanto, a fatia a ser partilhada pelos 5% mais ricos era três vezes maior que a fatiazinha que ainda tinha de ser rachada entre a multidão dos 50% mais famintos! Êta festazinha de aniversário safada: isso tinha de dar bolo!

Através da inflação, os salários eram comidos pelos patrões. Não satisfeito, o governo Figueiredo inventou várias leis que deveriam proibir aumentos salariais para compensar ã inflação. Mas os tempos eram outros e o Congresso Nacional barrou as medidas.

A dívida externa alcançou cifras absurdas: quase 100 bilhões de dólares. Ora, ela fez com que o Brasil tivesse de pagar, todos os anos, vários bilhões de dólares aos banqueiros internacionais que tinham financiado o país. O resultado é que pagamos os tais 100 bilhões, mas continuamos devendo ã mesma quantia! E continuamos tendo de pagar! Uma verdadeira bomba de sucção na economia.

A partir de 1982, o país começou a negociar com o FMI (Fundo Monetário Internacional), para ajudar no pagamento da dívida externa. O FMI, como sempre, fez exigências cruéis: o Brasil deveria reduzir os salários, cortar os gastos públicos (menos dinheiro para as escolas e universidades, para os hospitais, para investir na economia), aceitar que a economia parasse de crescer. Tudo isso em nome da estabilização econômica. Para a oposição, recorrer ao FMI era botar a economia do Brasil nas mãos do capitalismo internacional.

Na verdade, o regime militar tinha simplesmente desgraçado nossa economia. O crescimento dos tempos do "milagre" era ilusório: um país não pode crescer por muito tempo mantendo tanta injustiça social. Daí que em 1981 aconteceu, pela primeira vez desde os anos da crise de 1929, o crescimento negativo da economia do país. O Brasil tinha ficado mais pobre ainda. Era a terrível estagflação, mistura de estagnação econômica (tudo parando) com inflação .

Figueiredo gostava de dizer que "jurou fazer deste país uma democracia". (Engraçado, antes não era?) Mas sua abertura foi uma mistura de oportunismo com recuo. É bem verdade que a censura abrandou, embora fosse mais fácil publicar revistas pornôs do que jornaizinhos de esquerda. Realmente, Figueiredo era tolerante com as manifestações democráticas. Não foi à toa que os generais linha-dura nunca o perdoaram e até hoje o xingam de "traidor do regime". Ponto favorável para ele no julgamento da história. Mas não se deve esquecer o lado repressor do governo Figueiredo: reprimiu greves; prendeu militantes do PCB e do PC do B; expulsou padres estrangeiros que colaboravam com a luta camponesa pela reforma agrária; impôs novidades nas regras eleitorais, para favorecer o governo; fez com que mudanças na Constituição só ocorressem com aprovação de dois temos do Congresso; enquadrou estudantes na LSN.

A extrema direita, que nunca foi reprimida, continuou fazendo das suas: um atentado terrorista à secretária da OAB (1980) . No ano seguinte, durante um show de MPB comemorando o dia 1º de maio, várias bombas foram instaladas no Riocentro (Rio de Janeiro). Se explodissem, podemos imaginar quantos morreriam. Só uma delas estourou, no colo de um sargento do Exército que estava num carro estacionado por lá. Ele ao lado de um capitão. O que faziam ali? O inquérito policial-militar concluiu que ambos foram "vítimas". Para muita gente, porém, tinha sido um frustrado atentado de extrema direita. Os dois morreram de acidente de trabalho...

A anistia veio em 1979. Mas não foi "ampla, geral e irrestrita". O pior é que os torturadores também foram anistiados, sem jamais terem sentado no banco dos réus. De qualquer modo, ela permitiu o retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos. Os reencontros no aeroporto e na saída da cadeia emocionaram uma geração que havia sacrificado sua juventude por seu patriotismo.

 Nova política partidária

O governo falava em abertura mas criava artifícios para manter o controle da situação. Já dissemos que a ditadura militar tinha a participação ativa de muitos civis, incluindo empresários, administradores e os políticos da Arena. Para dividir as oposições, Figueiredo baixou a Nova Lei Orgânica dos Partidos (1979) que acabava com a divisão Arena e MDB. Foi assim que nasceram cinco novos partidos políticos:

O PDS (Partido Democrático Social) era o novo nome da Arena. Representava os políticos que apoiaram a ditadura. Portanto, tinha bem pouco de democrático e quase nada de social. O líder era o senador José Sarney, do Maranhão.

O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) herdava o antigo MDB. Continuou sendo o grande partido da oposição, reunindo diversas correntes políticas, incluindo conservadores moderados, liberais e até os comunistas (os PCs ainda estavam proibidos de funcionar). O líder era o deputado Ulisses Guimarães, figura importante na luta contra o regime militar.

O PDT (Partido Democrático Trabalhista) era chefiado por Leonel Brizola, que tinha voltado do exílio. Naquela época, Brizola gozava de enorme prestígio como 0 homem contrário a tudo de ruim do regime militar. Ele quis refundar o antigo PTB mas levou uma pernada da justiça. Propunha ser herdeiro do trabalhismo de Vargas e Jango, misturado à social-democracia, que ele tinha aprendido a admirar na França, na Alemanha e na Suécia (uma espécie de capitalismo reformado com medidas inspiradas no socialismo).

O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) não tinha nada a ver com o antigo PTB. Pelo contrário, chegou a abrigar antigos udenistas e até algumas figuras da antiga Arena. Ficou nas mãos da deputada Ivete Vargas e foi visto como uma criação ardilosa do regime, uma espécie de filial camufla da do PDS.

O PT (Partido dos Trabalhadores) aparecia como o grande partido de esquerda do Brasil. Na sua origem, o movimento operário organizado no ABC paulista, liderado por Lula, mas também dirigentes sindicais de outras categorias operárias e até de setores como o bancário, o de professores e de funcionários públicos. O PT também recebeu apoio de setores da Igreja Católica (ligados à Teologia da Libertação), estudantes universitários e intelectuais, reunindo desde marxistas a social-democratas.

Ainda houve um partido de existência efêmera, o PP (Partido Popular), que tinha pouco de popular, já que sua liderança estava nas mãos de grandes banqueiros e políticos tradicionais como Tancredo Neves. Mas como a lei eleitoral de 1982 obrigava a votação de todos os candidatos (de vereador a governador) do mesmo partido, o PP acabou se fundindo ao PMDB.

Em 1982, com as eleições diretas para governador restabelecidas, a oposição obteve vitórias espetaculares: Franco Monturo (PMDB-SP), Leonel Brizola (PDT-RJ) e Tancredo Neves (PMDB-MG), embora tenha perdido no Rio Grande do Sul.

 As "Diretas-Já!"

 O acontecimento final do governo do general Figueiredo foi a campanha pelas Diretas Já, em 1984. Uma coisa maravilhosa, na qual praticamente o país inteiro tomou parte, lutando pelo direito de votar para presidente. Nos últimos comícios, no Rio de Janeiro e em São Paulo, reuniram-se milhões de pessoas. Foram as maiores manifestações de massa da história do Brasil.

No dia em que a Emenda Dante de Oliveira, restabelecendo as diretas, foi votada pela Câmara dos Deputados, Brasília ficou em estado de emergência. O general Newton Cruz, a cavalo como um Napoleão desvairado, queria prender todo mundo vestido de amarelo (símbolo da campanha) e chicoteava os carros que buzinavam a favor da emenda. O pior aconteceu: apesar de os "sim" ganharem de 298 a 65, inclusive com alguns votos do PDS, faltaram 22 votos para a vitória. Vários canalhas tinham votado contra ou simplesmente não compareceram. Na verdade, uma batalha tinha sido perdida, mas não a guerra. Ainda dava para botar o povo de novo na rua para protestar e exigir uma nova votação. Mas a cúpula do PMDB já estava armando um acordo com políticos descontentes do PDS. Praticamente só o PT, ainda pequeno, protestou contra a armação. Pelas regras antigas que foram mantidas, o presidente seria eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral. O Colégio Eleitoral, formado pelo Congresso e por deputados estaduais (seis por cada Assembléia Estadual, do partido majoritário no respectivo estado), era uma armação que sempre dava vitória ao governo. Acontece que o candidato oficial do PDS, sr. Paulo Maluf, estava muito queimado. Sua ligação com a podridão do regime atraía o ódio popular. Se ele fosse presidente seria uma decepção muito grande para o Brasil.

Muitos políticos do PDS perceberam que não dava para Maluf. Liderados pelo senador José Sarney, eles formaram a Frente Liberal que, no Colégio Eleitoral, elegeu Tancredo Neves presidente do Brasil (o vice era Sarney). Pouco depois, esse pessoal, que saiu do PDS mas que mantinha as velhas idéias conservadoras, fundou o PFL (Partido da Frente Liberal).

Tancredo Neves fez carreira no PSD junto das oligarquias mineiras. Foi ministro da Justiça de Getúlio e esteve no MDB. Moderadíssimo, nunca tivera atritos graves com o regime militar. Pois é, um político hábil, mas que nunca se ligou a nenhuma luta popular, virou salvador da pátria. Talvez, porque tenha falecido antes de tomar posse. Assim, por ironia da história, o presidente que poria fim ao regime militar seria o ex-líder do regime no Senado: José Sarney, vice de Tancredo. A tragédia da história se repetia como farsa.

A "Nova" República

 "O neoliberalismo reinterpreta o processo histórico de cada país: os vilões do atraso econômico passam a ser os sindicatos, e junto com eles, as conquistas sociais... Ao mesmo tempo, a direita, os conservadores, se reconvertem à modernidade na sua versão neoliberal, via privatizações e um modelo de Estado mínimo."

Emir Sader

"A doutrina neoliberal nunca foi implementada completamente por qualquer governo."


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